Chuva miudinha
Acontece sempre aos Domingos. Gosto de ficar na cama. Quando posso. Antigamente podia sempre. Agora não. Levo para a borda da cama todos os livros e jornais que encontro, espalhados pela casa. Refastelo a cabeça e parte das costas em três almofadas escolhidas criteriosamente. E assim passo as tardes, sim as tardes, dos Domingos. Embora não tenha relógio à cabeceira e o móvel lateral, a que chamam mesinha, tenha outras utilidades, sei que é de tarde. O relógio não faz parte da enorme balbúrdia que ali existe. As tardes de domingo são sempre muito tardes. Por isso gostei da invenção das padarias abertas ao Domingo. Tenho uma boa relação com o progresso. Sobre algum progresso. Nem todo o progresso é bom. Algum contudo padece dessa enorme capacidade de transformar as nossas vidas. Este é um caso paradigmático e pessoal. Posso ir comprar pão a qualquer hora do dia. Não que a minha relação com a ancestralidade do pão seja demasiado notória. Não. Gosto de comer pão de vez em quando. E isso abrange todas as qualidades de pão que se consiga imaginar. Gosto de pão com manteiga e café com leite aos domingos quando me levanto se é que me levanto por assim dizer. Vagabundeio o pijama pela casa. Será talvez esta a sacralidade do meu domingo. O sétimo dia da semana, embora as minhas semanas sejam completamente assimétricas. Umas vezes começam ao Domingo noutras podem começar à quarta-feira. Por isso hoje, embora seja Domingo, não o é para mim. Pode sê-lo para vocês, mas para mim não. O meu Domingo começa na próxima Quarta-feira e durará até Sexta-feira que vem. Por isso o dominguinho passou a ser quando posso acordar tarde e o desejo de pão com manteiga e café com leite se faz sentir com maior veemência. Então sei que voltou a ser Domingo. Só assim. Todo este arrazoado pessoal e privado sobre os meus Domingos para dizer que não gosto do último livro de Lobo Antunes. Não tenho que pedir desculpa. Cito de cor, embora o meu hipocampo já tenha visto melhores dias, Mark Rowlands, filósofo obscuro, embora todos o sejam. Apenas sobrevivem uns quantos clássicos, embora também eles sofram dessa qualidade. O "sentido da vida encontra-se nos momentos, não pretendo repetir aqueles sermõezinhos simplistas que nos imploram para "viver-mos o momento". Nunca aconselharia ninguém a fazer algo que é impossível. Antes, a ideia é a de que existem certos momentos, não todos os momentos - nem por sombras, mas existem certos momentos; e à sombra desses momentos havemos de descobrir o que é mais importante na nossa vida." Normalmente a mim acontece-me quando dou por mim no Domingo.