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PROSAS VADIAS

PROSAS VADIAS

16.Mar.16

Um Poste restante

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

 

 

 

 

José Carlos Ary dos Santos

16.Mar.16

Brasil

Escrevia há dias que devemos começar a falar sobre o Brasil. De pensarmos, Brasil. Aportar novamente aos Brasis. A grande nação Brasileira. O povo irmão. 

15.Mar.16

Lengalenga

olha à tua volta,

ao redor,

dentro de ti,

Ensimesma-te

revolta Te,

que vês

na tua vez

Em vês

Bês

Uma duas três

15.Mar.16

O Homem que transportava o sino

homemsino.JPG

O Homem que transportava o sino naquela tarde tropeçaria na pedra de uma calçada, das muitas calçadas que lhe perseguiam a solas dos sapatos. Como cola. Caminho e solas colados de muito caminharem juntos.

haveria de pousar o sino, mas antes disso acontecer percorreu com o olhar a praça que lhe pareceu deserta. Sentou-se na pedra do chão, fervia no sol da tarde. Estava quase a meio dela, ele e o sino, a única bagagem que transportava sob as costas. Era pesado - pensara a primeira vez que pegara nele há muito tempo atrás. Mas não hoje, hoje conseguira finalmente que fosse o sino a carrega-lo. Por isso vinha ele dentro do sino, quando, de sopetão, entrou praça adentro sobre a luz radiante do sol que naquela hora batia a calçada. Ofuscado, o sino, tropeçara numa pedra. Não chegaram a cair, equilibraram-se um no outro, quase de forma automática, como se homem e sino fossem um só. O homem dentro de um sino, isso sim - perguntaram todos ao mesmo tempo- e não caiu, exclamaram, nem partiu o sino. Responderia que não, bastavam que vissem. Como poderia ser lá, um homem transportado por um sino, e  o sino, pousado no chão, nem se mexia, nem pernas tinha, como poderia lá ser. E espantavam muito os olhos, arregalados, e olhavam para o homem que dizia que naquela tarde, após milhares de quilómetros durante os quais transportara o sino sobre as costas, dia após dia, ano após ano, num ano muitos anos, que já dariam três vezes a volta às suas duas mãos, como dizia, numa viagem da qual desconhecia o destino, avançava e levantava-se e seguia em frente. Todos os dias. Tinha naquele dia, precisamente, conseguido que fosse o sino a transporta-lo e que foi dentro do sino que entrara naquela tarde pela praça adentro. Que não acreditavam que tal fosse possível, Então o homem abeirou-se do sino e pegando nele, fê-lo soar como soam os sinos. Num repente, a praça, que lhe parecera deserta, enche-se de gente, que ao vê-lo tombado no chão, o sino pousado ao lado, logo acorreram. Explicou-lhes que vinha dentro do sino, quando este tropeça na calçada. Foi assim que ali chegou. Não acreditaram. Juntaram-se em magotes, nas pequenas sombras que bordejavam a calçada, junto dos edificíos em redor e pediram-lhe para que tocasse o sino. Naquela tarde o sino haveria de ecoar de tal modo que ainda hoje podemos ouvi-lo em manhãs em que o nevoeiro percorre o rasto do rio que atravessa a cidade como um respiro no frio. A estátua que ali não existe erguida em memória de um homem que entrara dentro de um sino naquela tarde, ofuscado pela luz do sol, de sopetão, na praça que, ainda vazia, se haveria de encher. Hoje estava cheia de gente quando passei. Poderia descreve-la, mas não hoje e não sei se voltarei à praça, para a conseguir descrever, por isso imagino-a.

 

 em fundo 'The Division Bell' de Ping Floyd.