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PROSAS VADIAS

PROSAS VADIAS

27.Jun.14

corona discharge

 

 

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo incosenquente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’agua
Pra me contar as histórias
Que no tempo de seu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

MANOEL BANDEIRA

27.Jun.14

cesta com figos

 

 

regressado recentemente a Portugal, após uma estadia no estrangeiro, na capital francesa, chegado, acabado de aterrar em Portugal, dou conta que é aqui que estou no estrangeiro. é em Portugal que me sinto alienígena. Tenho por isso que retornar de novo. Desta vez, espero chegar a Macau e por lá ficar, sei lá, morrer entre o rio das pérolas e o mar do sul da china, o Mar de Espelho, na etimologia chinesa. Voltar, não conto, a escrita será cada vez mais esparsa e descontinua, mais do que até agora foi. Passou a interessar muito mais escrever em papel, usar, de novo, um utensílio de escrita manual, a vulgar caneta. Os assuntos em Portugal, passam pelo corriqueiro do futebol, à avenida ocupada pelo merceeiro, a uma caterva de políticos corruptos, sujos inundos, uma sargeta de crimes cada vez mais violentos. É isso, o Portugal. A sua essência. Parto para terras estrangeiras, onde em tempos viveram Wenceslau e Pessanha, a que demos o nome de Macau, nos próximos tempos. Não parto com algum ressentimento, parto apenas como um estrangeiro de regresso ao seu país. Deixo-vos a Pátria para nela chafurdardes com afecto. O mesmo afecto com que me passo a despedir de cada um de vós, um a  um, um de cada vez, tal como um condenado ao saltar para o vácuo, um salto no escuro, desconhecido. Não sei quem sois, sequer. Nem me interessa, sabe-lo. Sei que nos despedimos, eu de vós e vós de mim, como num até sempre, dito, ou escrito, já não me recorda, em madrugada fria e luminosa numa qualquer pousada de Pasárgarda. Riam sempre muito e alto. Riam até perder fôlego. por vezes, os mais timoratos, libertam lágrimas. acontece. aguentem-se, firmes, sofram, sigam na frente. somos a única pessoa que nos acompanha a vida toda . Estejam vivos, enquanto viverem. E peçam aos Deuses, os vossos, ou a vocês mesmos para que não destruam o que resta de Persepólis.