Mudei o sentido de voto após mais uma inenarrável campanha eleitoral a que apenas assisti pela televisão. Não andei em nenhuma arruada, não visitei mercados, não beijei peixeiras (embora não tenha nada contra), não procurei ser bafejado pela oferta dos mais desvairados brindes oferecidos. Mantive inviolável o telemóvel pessoal da intrusão(a não ser o SMS da D.G.S. - a da Saúde e não da de triste memória) partidária. Não gosto,nem tenho por hábito rasgar o ar que respiro com bandeiras ou lançar gritos e reptos - a plenos pulmões - com frases, sem nexo. Também não me fui sentar em nenhum debate ou jantar. A minha discrição não me permite ultrapassar a mediania. Sou meão de altura, como diria o poeta favorito e demasiado discreto na participação. Prezo a liberdade, a pessoal e a vossa, como o ar que respiro. Mas irei votar. Como sempre fiz, feitas as contas, desde 1979. Desta vez estive quase tentado a escrever um pequeno poema (*) no boletim de voto. Não o irei fazer. Contudo, ao longo dos dias, mudei o sentido de voto. Porque o fiz? Porque cheguei à conclusão (triste) que não já não é com bolos que se enganam tolos, como eu. Confrontado com perversão das propostas, sustentadas através de um discurso cheio de incongruências, que se foram acumulando, da postura demonstrada, que se pretendia esclarecedor, face a toda a desarmonia observada em tal conjunto de factos obrigou-me a pensar se valeria a pena votar no partido para o qual me inclinava. Deste modo o coração deixou de balançar. Preferi manter o sentido, vertical, talvez austero, mas meu. Por isso, no Domingo, lá estarei, depositando o meu voto no quadrado onde voto desde 1979. Porque apenas tenho um desejo: fazer de Portugal um país mais justo. Porque a minha mediania só a isso aspira como militante do direito de voto.
(*) Eu louco, cego, eu mísero, eu perdido
De ti só trago cheia, ó Jonia, a mente:
Do mais, e de mim mesmo ando esquecido ...
Barbosa du Bocage