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PROSAS VADIAS

PROSAS VADIAS

17.Set.08

do caciquismo a-histórico

Escultura: Soares dos Reis 

Embora tudo seja possível, mesmo que as alegações da bi-comemoração se encostem à tese de Armando de Almeida Fernandes, mesmo que José Mattoso, Adriano Vasco Rodrigues, Bernardo Vasconcelos e Sousa ou Henrique Barrilaro Ruas, atestem a possibilidade dos argumentos apresentados serem plausíveis nada a justifica para já. A tese que o medievalista português, discreto e pouco dado a mundanidades, desenvolveu em "Viseu, Agosto de 1109. Nasce Afonso Henriques", nas páginas da revista "Beira Alta", em 1990, e que mereceu posteriormente honras de edição patrocinada pelo Governo Civil de Viseu, em 1993 e republicada em 2007, com o apoio da Fundação Mariana Seixas e das Edições Sacre, e que se encontra actualmente esgotada, veio trazer novas leituras à discussão da aparentemente insanável questão. O que prentendo reflectir aqui é sobre essa necessidade do poder político (local ou nacional) em chamar a si o foco mediático da comemoração. Desta ou de outra qualquer. A História serviu, continua a servir, para nobilitar, pressuposto que lhe carreia prestigio, embora seja facto que ajuda a sua corrente utilização pelo poder político enquanto fórmula de propaganda, sobretudo quando se presta a servir designios momentâneos, que importa sobrelevar. Mesmo que tais interesses estejam rodeados de pressupostos cientifícos aceitáveis, não será este aproveitamento útil para clarear a discussão em torno da questão: onde teria nascido Afonso Henriques? Entre Guimarães, Coimbra e Viseu, discute-se. Do Estado Novo, partiu, com grande fulgor, a ideia de berço e Guimarães, enquanto local de nascimento dessa ideia de nacionalidade e não berço de Afonso Henriques. Aceite-se ou não as alegações historiográficas de Armando de Almeida Fernandes, compreendemos os interesses dos autarcas em colar-se a uma questão que não conhece ainda resposta totalmente satisfatória. Não afirmamos que tal não venha a conhecer, o que se afirma é que neste momento não foi ainda possivel. Dai que a dupla comemoração faça eco de algum folclore político. Aliás, como bem sabemos, todas as comemorações são, a seu modo, oportunistas, isto é, possuem causa ou causas, em grande parte, alheias ao motivo que se comemora. É, neste caso, como se refere, lançar mão de qualquer assunto que permita destaque, que se não conseguiria de outra forma. Daí que o possível mal advenha da possibilidade de confundir e brincar com a História junto de um público pouco interessado na questão erudita. O que aqui interessa discutir tem como base essa utilização, de forma pouco séria, das incertezas da História. Incertezas, com as quais os historiadores estão habituados a conviver, mas que confundem esse público, demasiado exposto à imediatez e superficialidade, pouco conhecedor e arreigado a conceitos históricos à muito ultrapassados. Seria, por exemplo, da mais elementar justiça, permitir aos arqueólogos trabalhar sobre os restos mortais de Afonso Henriques, mas tal assunto parece pertencer ao reino da suspeitabilidade. Embora esta questão, possa parecer lateral ao assunto em questão, mas cuja importância, noutro contexto, não a seja menor. A verdade histórica pode, por vezes, ser incómoda. Tal como as suas incertezas. Neste caso seja em Viseu ou em Guimarães apenas reina a ainda incerteza histórica sobre o provável local de nascimento de Afonso Henriques. Questão que pode ser eterna ou não, embora coexistam teses, umas mais verosímeis que outras. Daí não ser incorrecto comemorar-se o facto de Afonso Henriques ter nascido aqui ou ali. Mas o que se pergunta é sobre o que irá ser comemorado neste caso especifico? O mais certo é ser essa incerteza. Pois, se é disso que se trata. No fundo a incerteza provoca a exploração dessa possibilidade, a dupla comemoração, por isso esta sofre de falta de lógica, de consenso e até de utilidade. Comemore-se antes a incerteza sobre o assunto, embora corroborada por tese que contém algo de plausível e entretanto reconhecida entre os pares. A História não vive na incerteza, embora possua muito poucas certezas. Comemore-se, em locais diferentes, a sede de reconhecimento público do poder político local, a ascensão na hierarquia das cidades portuguesas, a utilização da incerteza histórica que revela o pouco respeito pelo trabalho da história e dos historiadores, embora se queira fazer parecer o contrário. Assim, está bem. É que nenhum historiador, mesmo entre os citados, pediu a quem quer que fosse para comemorar o que quer que fosse, onde querem que seja.