Abelha na chuva
Sou pouco poeta num país de poetas, como antes se dizia. Antes os verdadeiros, que tentar escrever para além desta alma que é a minha, que não se solta em palavras sentidas. Não é que não as possua (às palavras soltas e sentidas), mas não sou poeta. Sou amador, teu e de poetas com Poesia, dentro de si. Que me comove nos vários sentidos da comoção que vai do amor à ira. Soubesse eu escrever palavras, com sentido, escrever-te-ia o que Eufrázio Filipe nos escreve assim:
Olho-te como se fosse a primeira vez
Na verdade a água
corpo líquido de mulher
tem segredos escondidos no fundo das pedras
alimentos de fogo
talvez uma praia onde se fundem
areias e lábios
um piano de luzes
que determina o tempo das estações
Ainda bem que tens ilhas selvagens
sinais apócrificos que se desnudam
em gestos simples
no pestanejar de uma vírgula
Na verdade a água sabe rir e chorar
no espelho das próprias lágrimas
no rumor das maresias
e eu descobri uma vez mais
que tens póros por onde respiras
silêncios escarpas por onde escorrem salivas
que te ergues e desmoronas
abrigo e mensageira
te desprendes do chão
ou hibernas nos corais
Que bom ainda hoje
partilhar contigo este despertar
aprender vida fora a descobrir-te
como se fosse a primeira vez
deixar por um instante
a outra água
para os peixes se moverem