Octave Mirabeau, escreveria em 1888, "A greve dos eleitores", algo que, 120 anos passados, leram bem, 120 anos depois, mantém toda a pertinência e actualidade. Que nos importa a nós, a nós que escrevemos estas meras palavras introdutórias, se um qualquer regime político é melhor que um qualquer outro, se o que nos interessa, se o que nos impele, se resume a pensar assim:
"Oh eleitorzinho, inexprimível imbecil, pobre coitado, se , em vez de te deixares levar pelas lengalengas absurdas que te debitam, todas as manhãs, por um tostão, os jornais grandes ou pequenos, azuis ou negros, brancos ou vermelhos, que são pagos para obter a tua pele, se, em vez de acreditares nas quiméricas lisonjas com que afagam a tua vaidade e envolvem a tua lamentável soberania em farrapos; se, em vez de te deteres, eterno paspalho, perante as pesadas patranhas dos programas; se, em vez disso, por vezes lesses, ao canto da lareira, Schopenhauer e Max Nordau, dois filósofos que sabem muito mais sobre os teus chefes e sobre ti, talvez aprendesses coisas espantosas e úteis. Talvez assim, depois de os teres lido, tivesses menos pressa de revestir o teu ar grave e o teu belo redingote e de correr para as urnas homicidas onde, seja qual for o nome que lá depositares, já depositas-te o nome do teu mais imortal inimigo. Eles dir-te-ão, como conhecedores da humanidade, que a política é uma abominável mentira, na qual tudo está ao contrário do bom senso, da justiça e do direito e que não tens nada que ver com ela, tu cujos os dias estão contados no grande livro dos destinos humanos.[...] O homem que elevas não representa nem a tua miséria, nem as tuas aspirações, nem nada de ti; não representa senão as suas próprias paixões e os seus próprios interesses, que são contrários aos teus. Não imagines, nem para te reconfortares nem para reanimares esperanças que depressa seriam desiludidas, que o deplorável espectáculo a que assistes hoje é particular de uma época ou de um regime e que isso passará. Todas as épocas se equivalem, tal como todos os regimes, ou seja, não valem nada. Então, vai para casa homemzinho, e faz greve ao sufrágio universal. Não tens nada a perder, digo-to eu; pode ser que isso te divirta durante algum tempo. Da entrada da tua porta, fechada aos pedinchadores de esmolas políticas, verás desfilar a algazarra, fumando silenciosamente o teu cachimbo.
E se existir, num lugar desconhecido, um homem, um homem honesto capaz de te governar e de gostar de ti, não tenhas pena dele. Seria demasiado cioso da sua dignidade para se misturar na luta enlameada dos partidos, demasiado orgulhoso para obter de ti um mandato através da audácia cínica, do insulto e da mentira.
Já te disse, homemzinho; vai para casa e faz greve."
O opúsculo, editado em Paris em 1902, foi dado à estampa em Portugal, decorria o ano de 1998, pela coimbrã Nihil Obstat, que resumiu a sua edição a 500 exemplares, que andam por ai, à solta.