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PROSAS VADIAS

PROSAS VADIAS

26.Nov.07

"Não há já segredos" (#)

O meu velho amigo e companheiro das longas noites de invernia de seu nome Ramalho Ortigão enviou-me, via e-mail, estas prosas. Que vos despacho desta forma:

Os que governam acham-se informados de tudo quanto pensam os governados. Não têm mais que ler, e resguardar-se. Acabou para os governos a surpresa, a emboscada, a perseguição encoberta.

Esses perigos já não existem realmente senão para os governados, que tem contra si, posto que mantidos e pagos por eles próprios, os únicos poderes ocultos que subsistem no regime das sociedades modernas: os recônditos planos de guerra entre governo e governo, a diplomacia, a polícia secreta, a intriga de corte para corte, a espionagem sobre cidadãos suspeitos, a violação descartas, a visita domiciliária, a busca de papéis de cada um, etc.

Se nós, particulares, tivéssemos de garantir-nos contra os governos com a mesma segurança com que os governos se acham garantidos contra nós, a primeira obrigação que lhes imporíamos seria a de terem um jornal e de imprimirem nele em cada manhã absolutamente tudo quanto pensassem de nós, para o bem e para o mal, mas principalmente para mal, porque o importante, porque o essencial é, sobretudo, isso: avisarem-nos do que nos prejudica.

Ora caro e amigo Ramalho se em 1871 assim se estava, em 2007, aviso-te que, estejas tu onde estiveres -realmente achei estranho o teres enviado um e-mail- a coisa está na mesma. Mudem-se algumas palavras, altere-se- pouco- o sentido de outras e o Galinho de Barcelos continua de cores garridas. Andamos assim há 136 anos bem contados. Mas obrigado pela lembrança. Cá continuaremos a ler essa belas Farpas com que nos presenteias.

(#) O título é frase do Ramalho Ortigão. Eu não tenho jeito para intitulações. A Times o original. Volume Quinto, tomo IX, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006.
26.Nov.07

Leviathan


Lavro o pessimismo porque o vejo erguer-se. Como coisa de somenos. Aparente. O problema é já dos que não compreendem. Moucos ou surdos, alimentam-se na vã esperança de que o rumo seja o traçado indefinidamente, infinitamente. Vislumbram-no - ao futuro- exalando pragmatismo. Enxotando os vitupérios como fazem às moscas. Pretendem vencer inércias como se o país fosse já de novo, novo. Como se o velho país alguma vez tivesse sido velho! Expurguem-se dos títulos a vileza da mentira e do que fica resta essa incómoda e sonolenta melopeia...que começa a soletrar... já basta! Ainda agora observo nos côncavo do discurso que prolifera, dito por velhos árcades - de poesias antigas-, a ressoarem de novo a melodia do social. Da reviravolta, do contorcionismo. O país agora respira, avança, progride. Sopram-me. Entrou definitivamente no eixo. E que eixo esse! Penso eu, em conjunto com os botões. Chegados aqui enfrentemos as massas dos deserdados do costume. Dê-se-lhe algum pão e um pouco de circo, porque não? Nas arcas deverá haver dinheiro suficiente para satisfazer tão ínfima questão. Daqui a dois anos todo o poder deste mundo será de novo nosso. Ninguém à volta para incomodar. Alguns terão dito ...não foi para isto! Pelos vistos foi. Outros deixariam que fosse. Estamos precisamente no mesmo local. Por muito betão que nos atafulhe os horizontes, por muitas teclas que nos emprenhem os dias. Só as horas, os dias, os anos foram as únicas parcelas da vida que mudaram. Apenas. Mas mal seria se ainda estivéssemos lá atrás. Como o relógio aqui do lado. Movemos... sim! Só que acabámos precisamente onde estávamos. Se ainda não estamos, para lá caminhamos.